sexta-feira, 27 de julho de 2012

Acionariado Popular

Se perguntarmos pra maioria das pessoas qualquer coisa sobre a situação atual da Espanha, certamente falarão esses tópicos, não necessariamente nessa ordem; Real Madrid, Barcelona, Seleção do país e crise econômica. Para não fugir à regra, também falaremos disso, pois todos estes elementos estão interligados. Vamos lá.

Precisamos pontuar basicamente uma coisa. Os clubes na Europa são geridos como empresas, sendo "propriedade" de uma pessoa, empresa, ou um consórcio envolvendo grupos diversos, ao contrário do que vemos no Brasil, em que as agremiações esportivas são, pelo menos em tese, instituições sem fins lucrativos. De comum é que muitos dirigentes encaram os times como suas propriedades, ignorando os torcedores. Seja como for, financeiramente falando, um clube na Europa pode desaparecer por diversos fatores, como possuir uma dívida maior do que suas possibilidades de arcá-la. No Brasil isso não existe, nunca veremos um time acabar por dívidas. Aqueles que têm esse fim é por não terem mais condições de seguir competindo, por quê a dívida fica lá, praticamente imóvel. Até o principal interessado na arrecadação de impostos, o Estado, é conivente com isso (a Timemania está aí pra não deixar a gente mentir). No Velho Continente, acabamos de ver o Rangers, da Escócia, falir, e ter de disputar a 4ª Divisão do campeonato nacional. O perigo de deixar de existir é grande, sobretudo para os pequenos,

Agora, falemos da Espanha. É sabido que o país está passando por uma grande crise econômica (que não abordaremos suas razões aqui), e naturalmente, reflexos dessa crise são sentidos no futebol. Muitos realmente não entendem como a crise influencia no futebol, afinal, a Seleção Espanhola ganhou quase tudo que disputou, enquanto Real e Barça gastam aos tubos pra ver quem entre os dois vencerá o título nacional. Também é de conhecimento geral que muitos ignoram a existência dos outros clubes do país, podendo citar bem por cima Valencia e Sevilla, quando muito.

Podemos dizer que Barcelona e Real Madrid promovem a desigualdade social dentro dos gramados espanhóis, ao concentrarem 47% dos direitos televisivos do campeonato espanhol (os dois recebem valores que passam 130 milhões de euros). Pra se ter ideia da disparidade do modelo de distribuição espanhol, o nada pequeno Atlético de Madrid ficou com um valor equivalente a 30% da renda recebida pelo rival da cidade. Isso nos leva a entender um pouco melhor o por quê da mítica campanha do Levante foi tão comemorada, afinal, o time chegou à Liga Europa com investimentos de 300 mil euros.

Esse modelo de divisão, torna o elemento "imprevisibilidade", algo extremamente atrativo em um campeonato, cada vez mais difícil, o que empobrece a Liga em seu principal âmbito; o esportivo. Uma liga que não possui imprevisibilidade não é algo lá muito atrativo para se atrair investimentos. Acreditamos que isso não afeta muito Real Madrid e Barcelona, por serem times que possuem marcas de exposição mundial, e que vêm na Liga dos Campeões seu principal objetivo. Além das verbas da TV espanhola, contam com dinheiro vindo de fora, o que aumenta exponencialmente sua capacidade de arrecadação. Muitos podem usar da meritocracia, afinal, os dois gigantes não têm culpa se os outros clubes não se estruturaram. Mas como esses clubes podem se estruturar se o cenário não é favorável? Cotas de TV divididas de maneira injusta (justiça não seria dar o mesmo pra todos, pois igualizar as diferenças geraria outros problemas - o ideal é diminuir essa disparidade), falta de investimento de parceiros locais (afinal, a chance de retorno financeiro não é grande) são os principais entraves para todos os outros clubes, não só da 1ª Divisão, mas de todas as divisões de acesso.

Um modelo que está sendo usado pelos clubes medianos para poder almejar algo é contar com investimentos de fontes no mínimo questionáveis, tanto estrangeiros como nativos, sendo o Málaga o caso mais notório. De fato, esse modelo de administração garante um grande aporte financeiro a curto prazo, e se os planos dão certo, as conquistas também podem vir rapidamente. Entretanto, esse modelo traz um perigo em potencial; caso esse investidor não consiga seu tão esperado retorno, o que o fará continuar no clube?  Futebol não é algo que dê lucro de maneira imediata, isso quando dá lucro, e basta pensar em deixar de ganhar, que muitos desses investidores, que não possuem identificação alguma com a equipe, pulam fora, deixando os clubes a ver navios. E levando-se em consideração que a Liga Espanhola perca atratividade, os eventuais riscos de perca de dinheiro aumentam, assim como o medo de investidores. Como a estrutura dos clubes estava montada para se manter à base desse modelo, quando há alguma ruptura, ela se dá de maneira traumática, deixando marcas profundas. O que aconteceria se os investidores árabes saíssem do Málaga? A estrutura que foi montada não poderia ser aproveitada, basicamente pela falta de recursos para mantê-la. Se houver responsabilidade, o máximo que pode acontecer é o clube voltar pra uma situação semelhante à vista antes dos investimentos. Mas em todos os casos que esse tipo de parceria assume e deixa o clube por algum motivo, a responsabilidade administrativa foi algo que passou longe. O caso do Villarreal mostra um pouca a situação. O clube não conseguiu nem patrocínio pra estampar na camisa por uma parte razoável da temporada, teve de vender seus principais destaques, o que enfraqueceu muito o time, e o caixa acumulado não foi suficiente para repor as peças, e sofrendo com uma (grande) dose de azar, acabou rebaixado. A diretoria foi poupada pelos torcedores, pois tirou o clube das divisões inferiores do país e chegou a colocá-lo em uma semi-final de Liga dos Campeões, mas em um rebaixamento, não dá pra passar a mão na cabeça.

Não foram poucas as equipes que passaram por essa trajetória, de sair do nada, atingir o topo, em um primeiro momento passar por dificuldades esportivas, depois financeiras, ser rebaixada, e finalmente, ser abandonada pela diretoria, para aí, ter seu fim. Porém, o principal patrimônio de um time é sua torcida, que trabalhará o quanto for necessário para ver seu time em campo. E é justamente essa a principal premissa do acionariado popular; o torcedor gerir seu clube. Funciona assim; os torcedores se organizam e acumulam uma certa quantia, pagando mensalidades, tornando-se "sócios". Ser um sócio permite a participação em eleições, que decidirão os rumos do clube. Para evitar que haja uma elitização, com poucos decidindo por muitos, essas mensalidades são com preços acessíveis. Isso atrai atenção e simpatia dá comunidade em que está inserido, e o time logo será considerado uma parte dela, o que gera um sentimento de pertencimento dos moradores para com a equipe, afinal, não há um magnata por trás do clube, e sim um grupo de pessoas "normais".

Já abordamos aqui o Ciudad de Murcia e o Ceares, que adotaram esse modelo de administração e vão muito bem, obrigado. Recentemente, foi confirmado que o Deportivo Palencia também vai seguir essa tendência. Olhando para o cenário pouco animador das divisões superiores, podemos esperar que clubes de 2ª e até mesmo 1ª Divisão sejam controlados por torcedores. Foi confirmado que o Valladollid teria (ainda mais) problemas financeiros caso não alcançasse o acesso, e na temporada passada, o Rayo Vallecano surpreendeu mais por não ter falido no final do campeonato do que por escapar do rebaixamento (o que não foi pouca coisa). Ou seja, não é improvável que uma equipe das divisões principais siga um caminho ligeiramente diferente; não precisará chegar no fundo do poço para adotar a gestão comunitária. Recentemente, o Cádiz passou por uma grande crise política, e ainda que uma diretoria "convencional" tenha assumido o time, uma parcela significativa dos torcedores trabalha para assumir o clube.

Por enquanto, todos os times que atualmente estão sob controle comunitário militam nas divisões inferiores da Espanha, e enquanto o futebol espanhol continuar sendo movido por essa dinheirama toda, será difícil que elas cheguem ao topo, pois apesar desse modelo permitir o máximo de democracia, seu potencial de arrecadação não se compara a equipes que contam com o apoio da mídia ou de algum sheik ou magnata. Isso acaba causando um outro efeito, agora na mentalidade dos "diretores" do clube; invariavelmente, eles se posicionam contra o futebol negócio, o mesmo que quase matou suas equipes, e não fazem questão de estar entre eles. E a partir do momento em que contestam o "futebol moderno", passam a contestar toda ordem econômica e social vigente, afinal, o futebol é um dos reflexos das sociedades em que ele está inserido.

Seja como for, torcemos, e muito, para que esse modelo possa dar certo, e que o futebol vá para mão daqueles que o amam, não daqueles que amam o lucro que os negócios podem dar, e que estão avacalhando o esporte no mundo inteiro. Administrar um clube é uma grande responsabilidade política e administrativa, e dividi-la entre pessoas comuns, que não aspiram ser magnatas ou coisa do gênero, ao contrário, querem apenas ver seu time em campo, e se encontraram com os amigos de arquibancada de longos anos, ou aqueles amigos aleatórios de 90 minutos, que se vê em uma partida pra nunca mais, enfim, coletivizar responsabilidades e alegrias realmente parece ser o mais sensato...

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