sexta-feira, 18 de março de 2011

Quando uma rivalidade é ignorada por uma causa maior


Esse tipo de coisa não é tão incomum no futebol, mas ainda assim, são impactantes. O caso em específico que vamos abordar aconteceu na década de 70, na Espanha, na região do País Basco. Os que acompanham o futebol da região sabem que a equipe de maior sucesso lá é o Athletic Bilbao, o time que só aceita em suas fileiras jogadores que ou nasceram no País Basco ou são descendentes de bascos, como foi o caso do goleiro brasileiro José Vicente Biurrun. Mas o País Basco possui outras equipes de renome, como o Real Unión de Irún, que eliminou o Real Madrid da Copa da Esoanha em 2008 (4 x 3 em Madrid e 3 x 2 em Irún) Deportivo Alavés, que chegou na final da Copa da Uefa de 00/01, perdendo por 5 x 4 pro Liverpool, além é claro do Real Sociedad, que ganhou o Campeonato Espanhol em 2 oportunidades, além de ter disputado pau a pau o título de 02/03 com o galáctico Real Madrid. No País Basco, tendo em vista os maiores sucessos esportivos, a maior rivalidade é entre Athletic Bilbao e Real Sociedad. Rivalidade que foi acirrada quando o Athletic institui a política em relação a jogadores e quando o Real Sociedad adotou o prenome "Real". E continuou tudo assim até 1939, ano em que estorou a Guerra Civil Espanhola, e depois da Guerra, vimos uma ditadura alinhada com o nazi-fascimo, comandada pelo general Franco. Essa ditadura queria "espanificar" o país, ou seja, acabar com as culturas regionais. O uso de qualquer símbolo, ou até mesmo falar qualquer idioma que não fosse o castelhano madrilenho resultaria em prisão, e sabe-se mais o que. E uma pequena mostra disso foi que o Athletic teve de mudar seu nome para "Atletico", e o Real, por sua vez, ia adotar o nome da região em que fica, Donostia, mas esse projeto foi cancelado quando essa política começou. Mas a ordem de fuzilamento contra um presidente do Barcelona foi o incidente mais sério, e que visava mostar que não haveria espaço para manifestações culturais que fugissem do modelo idealizado pela ditadura. A região de Madrid representava tal modelo, e Franco não se cansava de dizer que o Real Madrid era uma das principais bandeiras da "verdadeira" Espanha. Regimes ditatorias sempre tentam "igualizar" a população ignorando diferenças regionais através de um molde, de um ideário.


Mas em 75, Franco morre, e percebe-se que a ditadura já estava mais do que desgastada, e se ela continuasse, poderia acarretar numa rebelião popular, coisa que não era nem um pouco desejada pelos governantes, que assim, começaram um processo de abertura. Mas ainda havia uma norma; a que proibia qualquer manifestação cultural das nacionalidades suprimidas. Se uma pessoa fosse flagrada com qualquer coisa que a ligasse com um tipo de regionalismo, seria presa e sabe-se lá o que mais aconteceria a ela. Isso era evidenciado pelo comando de Arias Navarro no governo, que ficou nesse posto desde que a saúde de Franco piorou, em 74, e lá ficou até 76, ano em que ocorreu o episódio desse texto.

Numa partida entre Athletic Bilbao e Real Socieda, pelo Espanhol de 76, foi emblemática. Todos estavam cansados de ditadura, e de poder se manifestar culturalmente apenas nos estádios. Nisso, os jogadores combinaram algo; entrariam no campo com a bandeira do País Basco. Isso pode não parecer grande coisa, mas era, por uma série de motivos. Como já foi dito, apesar da morte de Franco, alguns decretos não foram anulados, e o que envolvia as outras nacionalidades presentes na Espanha ainda estava em vigor. E como em toda a ditadura, uma profissão que muita prospera é a de militar, pra onde quer que olhe, há algum. E ninguém era poupado. Não era por quê um jogador basco fosse ídolo local que ele escaparia da perseguição. Mas se fossem 22 jogadores e ídolos locais o tratamento provavelmente seria diferente.

Os jogadores conseguiram combinar isso um dia antesdo jogo, e quem ficou com a responsabilidade de confeccionar a bandeira foi Josean de la Hoz Uranda, jogador do Real. Uranda pediu que sua irmã fizesse a bandeira, e assim foi feito. Mas tudo poderia ter ido abaixo, quando os guardas da Polícia Nacional que estavam no estádio pediram para revistá-lo. Por sorte, não viram a bandeira, e conseguiu entrar no estádio com a ajuda de um funcionário. Depois disso, pôde dar a bandeira para os dois capitães poderem entrar no gramado do estádio do Real, o Atocha. O zagueiro do Real, Kortabarria, e o goleiro do Athletic, Iribar, entraram em campo com a Ikurriña (nome da bandeira basca), para o delírio dos 30,000 torcedores, que celebraram juntos, menos o resultado final, que acabou 5 x 0 para o Real. Mas foi uma daquelas partidas em que o resultado pouco importou.
O legado daquele ato permanece. Logo em janeiro de 77, a lei que proibia manifestações culturais que contrariassem o franquismo caiu, e desde então, a rivalidade entre os dois times sempre é esquecida quando o País Basco, que ainda não conquistou sua tão desejada independência da Espanha, entra em questão.

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