domingo, 13 de março de 2011

Sobre hooliganismo e a estrutura econômica do futebol inglês

O que é exatamente hooliganismo? Quem são os hooligans? E o que é ser um hooligan? Não são perguntas frequentes, e também não fáceis de serem respondidas, o que desde já adiantamos; vocês não verão nenhuma resposta revolucionária ou coisa do tipo. Tentaremos esmiuçar o ideário hooligan, seu contexto, a realidade que o rodeia.

Primeiramente, o hooliganismo é um fenômeno tipicamente britânico. Os torcedores da Europa continental geralmente são conhecidos como "ultras", e partem por uma linha totalmente diferentemente. Violência nos estádios britânicos é algo relativamente comum. Desde começos do séc. XX víamos manifestações violentas, mas não era uma situação caótica, longe disso. A partir da década de 20, vemos um aumento da escala de violência, com uma queda no período pós II Guerra Mundial. Nos anos 60, a violência cresceu, atingindo níveis absurdos nos anos 70 e 80.

Pensava-se que os hooligans fossem oriundos da classe operária, e de fato eram, pois o futebol sempre foi uma maneira de entretenimento popular. Mas haviam elementos das classes médias nas fileiras do hooligans também. Os conflitos entre torcedores ocorriam por uma série de fatores, da oposição binária natural do futebol, até rivalidades regionais e conflitos de classe, pois alguns clubes mantinham uma veia operária presente desde sua fundação, enquanto outros eram tipicamente elitistas. Um ponto fundalmental é o forte sentimento regionalista dos hooligans. Sua comunidade é seu castelo (na melhor alusão que conseguimos, mas que ainda é ruim), e qualquer elemento externo não pode passar por ela sem prestar contas. Do outro lado, tinha-se em mente "se fazer lembrar" pelos hooligans locais. Em relação ao moradores "comuns" dessas comunidades, eles possuem muito medo das frequentes brigas e depredações no local, mas louvavam vários trabalhos comunitários que esses torcedores realizavam na comunidade. Outra característica própria dos hooligans é que eles não usam nenhuma peça que os identifique com os clubes, visando dificultar algum tipo de rastreamento pela polícia. Nos anos 70 e 80, os hooligans tinham um visual agressivo, que se não os identificavam como hooligans logo de cara, já traziam desconfiança. Atualmente, eles se vestem de uma maneira casual, o que torna realmente difícil serem identificados.

A classe operária, a partir de meados dos anos 80, passou por um violento processo de exclusão dos estádios. O futebol inglês, procurando se "modernizar", passou por um processo de elitização, visando arrecadar mais dinheiro. Tal projeto estava fundamentado em alguns pontos. Grande parte dos estádios britânicos não eram nem um pouco seguros, pois muitos foram construídos no início do século XX, e como já foi dito, responsabilizava-se os torcedores de classe operária por promoverem a desordem nos estádios. Um dos pricipais pontos desse projeto foi exclusão das arquibancadas, substituindo-as por áreas inteiramente cadeiradas, o que reduziu exponencialmente a capacidade dos estádios. O Ibrox, na Escócia, por exemplo, chegou a abrigar 120,000 pessoas. Hoje sua capacidade está em torno de 55 mil. Não somos de todo contra tais medidas, pois os estádios da região realmente eram muito esculhambados, o que aumentava, e muito, o risco de acidentes. Discodarmos é de algumas coisas que se sucederam a isso, coisas estas que abordaremos mais adiante. Agora, vamos citar alguns fatos infelizes que ocorreram em estádios da região, ou que envolveram torcedores britânicos.

Desastres não eram incomuns nos estádios. Em 71, no estádio dos Glasgow Rangers, o já citado Ibrox, barreiras das escadas cairiam, o que provocou a morte de 66 pessoas, além de 2000 feridos. Este foi um dos incidentes que envolveram insegurança nos estádios, mas houveram outros que esta se somou à violência de torcedores. Em Heysel, na Bélgica, durante a final da Liga dos Campeões de 84/85, entre Liverpool e Juventus, torcedores do Liverpool atacaram os italianos. A má ação dos policiais belgas, que se recusaram a abrir os portões permitindo a fuga dos italianos, além de algumas falhas no projeto do estádio, resultaram em 39 mortos e centenas de feridos. Tal conduta dos torcedores ingleses resultou numa suspensão aplicada pela Uefa, que afastou os clubes do país de competições européias por 5 anos. Em 89, ocorreu aquele que talvez seja o mais marcante no futebol britânico, o Desastre de Hillsborough, que ocorreu numa semi-final da Copa da FA, entre Nottingham Forest e Liverpool, no qual 96 foram vítimas de todos esses fatores.

Os estádios britânicos realmente precisavam de melhorias, mas elitizar os estádios não é a verdadeira solução. Com a criação da atual Premier League, os preços dos ingressos subiu muito, afastando trabalhadores de baixa renda. Hoje, um ingresso fica em torno de 40 libras (R$160,00). Na Inglaterra, o sistema de salário mínimo funciona por um critério de idade. Tabalhadores acima dos 22 anos, recebem em média 1,200 libras por mês, e os abaixo disso ganham 100 libras a menos. Os ingressos à 40 libras são os que sobram, pois a prioridade é para aqueles que podem pagar pelo cartão permanente, que garante ingresso em todos os jogos em casa por 990 libras (R$4 mil) por ano, e a lista de espera para entrar nesse plano é de até 15 anos, e para ficar na lista de espera, é preciso pagar 45 libras (R$180,00). Existem também os sócios torcedores, que em troca de 30 libras (R$120,00) anuais, podem pegar os ingressos que sobrarem daqueles que possuem o cartão permanente. Aquele ingresso de 40 libras é o resto do resto. Pode parecer pouco, mesmo se comparado ao salário mínimo, mas vale lembra que o custo de vida na Inglaterra é muito alto.

Atualmente, o público dos estádios britânicos é composto de pessoas acima dos 35 anos, pessoas com a vida feita, que não estão interessadas em cantar ou fazer coisas do tipo nos estádios, apenas procuram ver o jogo. A situação chega ao cúmulo de seguranças dos estádios pedirem para torcedores que se levantem se sentarem, para não atrapalharem a visão dos demais, além disso, fazer muito barulho é proibido. A tais medidas acrescenta-se um sistema de vigilância extremamente avançado, como não é visto em nenhuma parte do mundo, ao ponto de chegar a ser pertubador. Isso com certeza afasta potenciais hooligans, que marcam brigas em áreas mais afastadas dos estádios, ou seja, tais medidas podem ter coibido a violência nos estádios, mas não acabram com ela, como muitos pregam, apenas a varreram pra debaixo do tapete, ou pros jogos de divisões inferiores, onde a vigilância é menor, assim como o preço do ingressos.

Um ponto muito forte do ideário hooligan é a busca por extremos, extremos que só podem ser alcançados em brigas. Muitos deles possuem uma vida que pode ser considerada comum, uma rotina de vida que envolve família, amizades e emprego, sem mostrar tendências agressivas. Mas é claro que existem exceções. Muitos intelectuais quebram a cabeça com isso, não conseguindo explicar esse fenômeno. Com os avanços nos sistemas de vigilancia, e com o controle quase obssessivo pelo qual os torcedores nos estádios passam, a violência nos estádios caiu drasticamente, e atividades e grupos considerados como hooligans decairam mais de 60%. Porém, esse número traz outro indicativo. Com o processo de elitização do futebol britânico, além de ter ficado caro ir no estádio, também ficou caro ser hooligan. Ingressos, roupas, viagens, tudo isso é caro, o que coloca que atualmente, a maior parte dos hooligans são de classe média pra cima. Geralmente, preferem esse extremo, o das brigas, em relação a outras práticas que colocam o homem em situações extremas, como bangie jumpie ou coisas do genêro, esportes não lá muito acessíveis para os trabalhadores.
Novamente reiteramos; não vamos dar nenhuma resposta para isso, apenas esmiuçamos o panorama e o contexto da situação. É muito difícil concluir algo sobre esse fenômeno pois não podemos o ver ao vivo. E mesmo que estivessemos por lá, não é fácil entrar em contato com um grupo de hooligans. Além disso, como tudo na vida, o hooliganismo é mutável, ele não fica congelado no tempo. Mas podemos concluir uma coisa; o processo de elitização acabou com problemas como a falta de segurança nos estádios, mas por outro lado, ele dificultou o acesso das classe operárias ao time, seja para ir no estádio, seja para comprar uma camisa, por exemplo, além de ter feito do Campeonato Inglês o que nós vemos hoje. Mas isso é conversa para outro momento...

Um comentário:

  1. Isso de aumentar preço não mudou quase nada, só verem a briga entre a ICF X BushWackers (West Ham x Millwall) em 2009 invadiram o campo fizeram a farra lá rolo briga dentro do campo etc.

    Hooligans de verdade estão nem ai, só os fracos e medrosos não vão pra essas brigas.

    Saudades dos anos 80 quando eu fui pra Inglaterra já entrei em briga com Hooligans.

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