terça-feira, 18 de junho de 2013

Sobre Libertadores (competições Sudacas em geral), Altitude e Colonização Espanhola

Entra ano, saí ano, começa/acaba uma Libertadores (ou Sul-Americana), e sempre, em algum momento, teremos essa discussão; a de jogar na altitude. Isso sempre foi discutido, mas desde que o Brasil perdeu para a Bolívia em La Paz, pelas Eliminatórias para a Copa de 94, o assunto ganhou força. De fato, é complicado jogar lá. Aliás, é complicado fazer uma porção de coisas a mais de 2,000 metros de altura. Todos, de jornalistas à especialistas de mesa de bar, discorrem sobre o tema. Mas nunca vi uma indagação sequer à razão original de tudo; por quê cazzo alguém resolveu construir cidades em locais de tão difícil acesso? Isso não vai alterar muita coisa na organização da Conmembol, nem fará com que o Real Potosí desça até Santa Cruz de la Sierra para mandar suas partidas continentais ao nível do mar, mas de todo jeito, julgo ser interessante saber.

Para começo de conversa, quando os espanhóis chegaram aqui, em 1492, o país passava por um momento complicado; os mouros, povo de cultura influenciada pelo islã acabava de ser expulso da Espanha, e os reis católicos teriam que lidar com uma região com uma influência muçulmana. Desafio em tanto. Enquanto isso, Colombo chegava no pedaço de terra que viria a ser conhecido como América (mas que o próprio acreditou ser a Índia). A Coroa Espanhola, procurando expandir seus domínios, além de cumprir sua missão como um reinado cristão, espalhando a fé católica pelo mundo, decide fazer das novas possessões uma extensão do que vivia na Europa.

As autoridades reais não só recomendavam, mas praticamente obrigavam que todas as cidades fossem construídas em lugares de difícil acesso em uma invasão, e cujo o clima fosse o mais parecido possível ao conhecido no Velho Mundo. A América deveria ser uma espécie de Nova Espanha, fortalecendo o nacionalismo, que era muito incipiente à época, especialmente na Espanha, que havia pouco tempo era uma região dividida entre duas forças antagônicas. Isso explica, indiretamente, o planejamento dessas cidades. A Coroa tudo regulava, e mandou diretrizes bem específicas para os colonos, que iam da localização da praça central, passando pelo ângulo que as vias deveriam sair dessa praça, até mesmo à largura das ruas, entre outras coisas. A intenção desses atos, e de muitos outros, é que o poder real se fizesse presente em um local distante, se auto afirmando em um momento que a afirmação do "ser" espanhol era extremamente importante, dado que ainda havia muita influência dos mouros entre os súditos oriundos do sul do país. Para efeito de comparação, no caso da presença portuguesa na América, a influência foi bem diversa. Desde o primeiro momento, Portugal procurava apenas lucrar, e mandou para a América pessoas que teriam chance de trazer um retorno para a Coroa Lusitana. Esses primeiros colonos tinham como objetivo tão somente lucrar, e quando fosse possível, retornar para Europa. Assim sendo, o governo só trabalhou na regulamentação do campo monetário. Cabe salientar que ao contrário da Espanha, Portugal havia consolidado seu território e uma cultura relativamente homogênea pelo menos um século antes da chegada na América, logo, a noção do "português" estava bem mais sedimentada. Na arquitetura, basta comparar alguma das primeiras cidades brasileiras, como Ouro Preto, com o centro antigo de Lima, por exemplo. Na cidade brasileira, não houve nenhuma tentativa de terraplanagem, as ruas são sinuosas, e as casas estão dispostas de qualquer maneira, conforme o gosto dos moradores. No caso espanhol, o fenômeno inverso se aplica; tudo é plano, as casas estão alinhadas e as ruas estão em ângulos retos. Sem querer fazer um juízo de valores, não houve plano melhor e plano pior, por mais que possa parecer que isso tenha sido levantado. Ambas as propostas permitiram que os europeus se fixassem por aqui, e alcançassem seus objetivos imediatos. Para todos os efeitos, a ambição da "Nova Espanha" se esvaiu com o passar do tempo, dado uma série de circunstâncias.

Seja como for, se olharmos para as primeiras cidades construídas, praticamente todas seguem esse roteiro. Abaixo da Linha do Equador, os lugares que tinham o clima mais parecido com o europeu são os que estão à milhares de metros acima do nível do mar. A primeira foi a Cidade do México, que passou formalmente para o domínio espanhol em 1521 (antes disso, era a capital asteca, Tenochtitlan), que está nos 2,241 metros. Outros exemplos dizem respeito a Quito (fundada em 1534, tem lá os seus 2,850 metros), Bogotá (fundada em 1538, fica 2, 625 mais perto das estrelas que as demais cidades do mundo - conforme o próprio motto da cidade) e La Paz (fundada em 1548, a 3,640 metros acima do nível do mar). Isso por quê falamos de capitais. No caso das bolivianas Potosí e Oruro, fundadas em 1545 e 1606, e que ficam a 4, 067 e 3, 706, respectivamente, estas foram centros de mineração, de onde a Coroa Espanhola tirou sabe-se  lá quantas toneladas de minérios, sobretudo de prata. Outras cidades fundadas ainda no século XVI, como Tegucigalpa (capital de Honduras), estão à poucos metros acima do nível do mar, mas no período, eram de difícil acesso, rodeadas por uma mata nativa que até meados do séc. XX permanecia pouco alterada.

A única exceção é Lima, no Peru, que fica no litoral, mas vale dizer que Lima só foi colocada como sede por um fator imprevisto. Os espanhóis tinham escolhido Jauja, que fica a 3, 300 metros acima do nível do mar, como sede. Contudo, os cavalos que trouxeram não conseguiram se adaptar ao local. Vale lembrar que no processo de conquista, o cavalo era uma peça muito importante, pois os nativos acreditavam que cavalo e cavaleiro eram uma única criatura, o que dava uma vantagem psicológica muito grande aos espanhóis. Vantagem tão grande e tão importante que os levaram a mudar os planos, indo para um lugar que contrariava suas diretrizes originais.

Finalizando, é algo interessante de se saber, nada mais. Pretendia fazer algo mais nessa semana, e possivelmente o farei, mas acompanharei, e tentarei participar, das manifestações por aqui. Se tiver chance, vá pra rua. Até lá.

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