domingo, 20 de fevereiro de 2011

Sobre conurbação, regionalismo, meios de comunicação e torcidas

Conurbação; fenômeno que ocorre quando uma cidade cresce e começa a se fundir com outras. Resumindo, é isso, algo como ocorre com São Paulo capital/ABC. Passamos por 2, 3 cidades, em um só dia, seja pra ir pro trabalho, pra escola, pro estádio, ou pra vadiar mesmo. Isso é um fenômeno comum no mundo, só que mais comum em alguns lugares do que em outros.

O reflexo disso no futebol é evidente; algumas equipes, que ficam em centros maiores, passam a "engolir", se assim podemos dizer, as que ficam em cidades vizinhas. Mais uma vez, pegando o exemplo SP/ABC, no ABC vemos vários torcedores de equipes da capital, pois basta 1 hora, 1 hora e 30 min, para se chegar em qualquer estádio da capital, isso de trem. Caso vá de carro, pode-se ir ainda mais rápido, desde é claro que não se enfrente o trânsito da capital paulistana (o que ultimamente pode ser considerado um verdadeiro milagre).

Isso ocorre em vários lugares do Brasil, e do Mundo, mas com impactos diferentes, devido a fatores sociais e históricos. Uma comparação com a Argentina. O Campeonato Argentino pode ser considerado um campeonato municipal de Buenos Aires, com alguns participantes de outras regiões. Bem, é sabido que equipes como Boca Jrs, River Plate, Racing e Indepiendente tem torcedores por todo o país, mas também vemos equipes de menor expressão, como All Boys, Olimpo e Quilmes lotarem seus estádios. No Brasil, ultimamente nem Guarani e Ponte Preta conseguem lotar estádios, colocam em média 6,000 pessoas por jogo, e a situação piora quando falamos de equipes que ficam perto das capitais, ou até mesmo nelas, em muitos casos equipes tradicionais, como a Portuguesa em SP ou o América no RJ, enquanto o já citado All Boys coloca 15,000 no Islas Malvinas. Um fator pra isso é o forte bairrismo que existe por lá, e o outro, mais amplo, é que não vemos um processo de cornubação metropolitana como o existente em SP.

Um pouco de História. Isso se dá por quê desde os tempos de colonização, a Coroa Espanhola determinou que houvesse uma certa distância, muito grande de preferência, entre uma cidade e outra, justamente para não existirem grandes centros, além de outras normas em relação a construção de cidades. Enquanto isso, os portugueses fizeram tudo de qualquer jeito, sem dar muita importância pra isso. Essa diferença não se deu por organização de uns e esculhambação de outros. Os espanhóis chegaram na América na década de 1490, mesma década em que haviam expulsado os mouros (povo muçulmano) de seu território. Os reis da Espanha temiam que seus súditos que fossem colonizar a América não soubessem muito bem o que era "ser espanhol", pois os mouros ficaram na Espanha por séculos, e suas marcas ainda eram muito profundas, com sua cultura ligada aos árabes e ao islã. Se os espanhóis na América por algum instante ficassem confusos quanto a sua nacionalidade, o que os impediria de se voltarem contra a Espanha? Então a melhor maneira era controlá-los rigorosamente. Em relação aos portugueses, estes haviam consolidado seu país em meados de 1300. Já se sabia bem o que era "ser português", não havia o medo dos que pra lá fossem, se voltar contra Portugal, então não havia razão para controlá-los rigorosamente.

Falando em relação a Europa, as cidades lá foram construídas de maneira ainda mais organizada, evitando com o maior esforço possível um crescimento desordenado. Além disso, há um forte regionalismo. Em 2008, houve uma pesquisa em relação ao Campeonato Inglês, e descobriu-se que o Manchester Utd era o time com o maior número de torcedores na Inglaterra, cerca de 4, 600 milhões. Mas não era o preferido da cidade, sendo que mais de 60% torciam pro Manchester City, e os torcedores do Manchester de fora da cidade eram de regiões onde não haviam times, ou se haviam, eram da 4ª Divisão pra baixo. Naquele ano, viu-se que o time que contava com o maior indíce de aceitação em sua cidade era o recém ingresso na 1ª Divisão Hull City, com 88%, porém este não contava com nenhuma base fora de sua cidade. E isso ocorre em praticamente todos os países europeus. Mas uma coisa deve ser levada em conta; a Inglaterra é a inventora do futebol. Vários times foram fundados com o intuito de representar um bairro, uma cidade ou uma fábrica, e as pessoas abraçaram esses times, pois foram criados antes mesmo da disseminação do rádio ou da invenção da TV, meios de comunicação que encurtaram distâncias e aboliram fronteiras. E essas marcas permaneceram a tal ponto que num jogo da FA Cup (a Copa da Inglaterra, o torneio mais antigo do mundo) em que estávamos vendo, Leyton Orient e Arsenal, ambos de Londres, haviam mais torcedores do Leyton do que do Arsenal, levando-se em consideração que o Orient está na 3ª Divisão e ano a ano luta contra a falência, enquanto o Arsenal frequentemente disputa partidas internacionais.
Ainda sobre a Europa, não existe nenhuma grande torcida em alguns países por uma série de motivos. Na Espanha e na Itália, nem todo o país pode ser chamado de Espanha ou Itália (esta foi discutida numa postagem recente, "Sobre a "Itália"). Existem várias línguas, várias culturas, e a região mais rica e forte politicamente (no caso da Itália, cidades do Norte, como Milão e Roma, e no caso espanhol, a região central, de Madrid) tenta controlar as demais. Equipes como o Real Madrid e o Milan, embora tenham algumas da maiores torcidas de seus países, também contam com o maior indíce de rejeição nas regiões onde possuem antipatia, assim como o Barcelona e o Napoli nas regiões centrais, pois são os extremos opostos. Porém em países mais homogêneos culturalmente, em que as contradições são de ordem econômica, sem nenhum tipo de violência étnica, a tendência de haverem grandes torcidas para poucos clubes e maior, como é o caso de Portugal, e o trio Benfica-Porto-Sporting, em que o futebol se desenvolveu junto da expansão dos meios de comunicação, que sob o controle das elites, que buscaram homogenizar o país, espalhando uma noção única de identidade nacional, sendo o futebol uma importante ferramenta para isso, com a Seleção fazendo isso no plano internacional, e clubes de regiões centrais fazendo isso a nível nacional. Isso ocorreu durante a ditadura Salazarista, que durou da década de 30 até a de 70. É um fato, nenhum clube de uma região tida como "interior" conta com uma grande torcida, mesmo que faça grandes feitos.
Voltando ao Brasil (puxa, esse post está maior do que o habitual...). O Campeonato Brasileiro é um dos mais equilibrados do mundo, e cada região tem um time que pode ser considerado "grande", por ter feito grandes coisas em sua história ou coisa que o valha. Então por quê o Flamengo tem a maior torcida do país? Vimos um fantástico Guarani na década de 70 e 80, mas este não conseguiu angariar torcedores como Flamengo. Isso é influência da maneira como os veículos de informação são usados. No Estado Novo (1930-45), buscou-se construir um ideário nacional, e o futebol foi umas das mais importantes peças para isso. A programação da Rádio Nacional, situada no Rio de Janeiro, transmitia sua programação por todo o Brasil, ignorando diferenças culturais. Nisso, partidas do Campeonato Carioca também eram transmitidas. Como não havia um campeonato nacional, os times frequentemente excursionavam pelo país inteiro, o que permitia que fossem mais regularmente vistos. E por ficarem nos centros econômicos, tais equipes tinham mais recursos para montar times competitivos. Após o fim do Estado Novo, esse projeto continou. Só muito recentemente passamos a ver transmissões dos Estaduais de Bahia, Ceará e Pernambuco, mas os demais estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste recebem os jogos dos campeonatos do RJ e de SP. O que dizer então das divisões inferiores dos Estaduais? Muitos afirmam que estes campeonatos não são televisionados por serem fracos tecnicamente, mas a tendência é que eles continuem assim caso não recebam apoio. Se somarmos a falta de apoio à incopetência de muitos dirigentes, vemos que o futebol profissional está ficando muito, mas muito restrito, e o torcedor de clubes que constantemente são excluídos da mídia, que não tem muito apoio financeiro, ou mesmo apoio da cidade em que se localizam, tendem a sofrer mais, só por quererem ver seu time em sua cidade e em seu estádio...

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