terça-feira, 29 de março de 2011

O Golpe de 73 no Chile e a Copa da Alemanha de 74

Na década de 70, a tensão imperava no mundo. Crises econômicas, revoluções, golpes militares, tudo isso no caldeirão da Guerra Fria. Lembrando, a Guerra Fria foi um período no qual o mundo estava dividido entre dois sistemas socio-econômico-políticos; o bloco capitalista e o bloco socialista, encabeçados pelos EUA e pela URSS, respectivamente. Esse período recebeu esse nome pois apesar disso tudo estar acontecendo no mundo, os dois países não entraram nas vias de fato, apenas tentavam ganhar terreno, ou melhor, zonas de influência.



Logo, como o mundo não se afundou numa guerra, a Copa do Mundo continuou a ser disputada. O torneio já estava começando a justificar o nome ao incluir países da África, Ásia e Oceania. Mas como o ambiente no mundo todo estava tenso, não de se esperar que as Copas fugissem à regra. O fato que vamos abordar ocorreu no ano de 73, durante as eliminatórias para a Copa de 74, que seria na Alemanha Ocidental, a capitalista. Sobre as zonas de influência, podemos dizer com toda a certeza que a América Latina cabia aos norte-americanos. Bem, quase toda a América Latina, pois havia a ilha de Cuba, que fez uma revolução bem debaixo do nariz dos EUA, e logo depois, se alinhou a URSS. Os EUA não queriam que isso se repetisse nos outros países, então em comum acordo com as elites latino-americanas, incentivaram golpes militares por toda região, que visavam instaurar ditaduras que impedissem que um movimento popular que acabasse com as elites e com o domínio dos EUA pudesse ocorrer. A maior parte dos países da América Latina passou por isso, e nem precisava muito para que as classes dominantes recoressem ao exército local e aos EUA, era só o seu domínio ser levemente ameaçado.



Não é preciso dizer que a população não gostou muito da idéia, mas as ditaduras sempre tentaram (e ainda tentam) convecer a todos de que tudo está bem, e os esportes são de suma importância para tal. E como a Copa do Mundo era o evento esportivo mais visto no mundo, os governos ditatorias faziam o possível e o impossível para as seleções de seus países irem bem no torneio, pois isso não dava boa impressão só para a população do país, mas para toda a comunidade internacional.



Nesse quadro, estavam ocorrendo as eliminatórias para a Copa. Nessa toada, tinhamos a seleção do Chile, que vinha razoavelmente bem, e tinha bons nomes, como Figueroa, que fez muito sucesso no futebol brasileiro. Bem, a Seleção Chilena acabou indo para a repescagem, onde enfrentaria um time europeu, que veio a ser a URSS. Até aí, tranquilo. Além de Cuba, o Chile era o único país da América Latina que mantinha relações com a URSS, o que enfurecia as elites locais. O governdo do Chile, presidido por Salvador Allende, tinha uma política progressista, não era nada de revolucionário, apenas buscavam uma divisão mais justa da riqueza do país, além de uma política econômica mais autônoma.



Isso foi o suficiente para o país ser alvo da política imperialista dos EUA. Temendo que tal política pudesse gerar um movimento maior, as elites chilenas convocaram o exército, que sob a benção do governo norte-americano, atacaram a sede do governo nacional com aviões e tanques. O presidente Allende foi morto, tentando se defender com rifle AK 47 que lhe foi dado de presente por Fidel Castro. O dia era 11/09/73. Haveria um treino da seleção, que foi cancelado. Muitos jogadores já estavam no local do treino, quando o técnico disse que naquele dia não haveria treino. Muitos jogadores contam que não foram presos naquele dia só porque apresentaram as credencias da Federação Chilena para todos os soldados que os paravam.



Apesar de todo esse ambiente, os militares queriam que o Chile participasse da Copa, e mandaram a seleção para Moscou, não sem antes avisarem os jogadores de caso eles falassem demais ou fugissem, os familiares deles sofreriam punições. Os jogadores já estavam tensos por causa disso, e a tensão só aumentou quando chegaram em Moscou, pois naquele momento eles não eram mais jogadores de um país amigo, eles passaram a ser considerados pelas autoridades soviéticas como possíveis espiões de um país inimigo. Tanto que dois jogadores ficaram quase 3 horas detidos no aeroporto.



O jogo foi bem disputado, como não poderia deixar de ser, pois estava valendo uma vaga para a Copa do Mundo, mas os soviéticos atacaram mais, criando várias chances, mas a seleção chilena contava com a tenacidade de seus defensores e com o auxílio do juíz, que roubou descaradamente a Seleção Soviética. Não, não foram erros, foi roubo mesmo, pois antes do jogo, um dos chefes da delegação chilena conversou com o árbitro, que era um anti-comunista ferrenho, e que afirmou categoricamente que naquele jogo, o time chileno não perderia. Com o 0 x 0 na bagagem, bastava uma vitória em Santiago.



Para o jogo em Santiago, os militares queriam que ele fosse no Nacional. Até aí, tudo certo. Só que o estádio estava sendo usado como prisão, um centro de tortura de prisioneiros políticos. Os dirigentes da Federação tentaram convecer os militares a realizar a partida em outro luga, mais especificamente, no estádio do Everton, em Viña del Mar, longe dos acontecimentos centrais. Mas os militares vetaram essa proposta, alegando que o mundo precisava ver como a situação estava tranquila no país. Nisso, dois delegados da FIFA, um suíço e um brasileiro, foram designados para fazer uma vistoria no estádio. Quando os presos não estavam sendo interregados, as arquibancadas eram usadas para o banho de sol. Os delegados perguntaram para os militares o por quê de tantas pessoas estarem no estádio, e lhes responderam que o estádio era um centro de registro, um lugar para tirar 2ª via de documentos. Acabada a vistoria, os dois delegados deram um voto positivo para o estádio, com direito a um comentário do inspetor brasileiro; “não há nada de errado no Chile. Vocês (os militares) estão ouvindo muitos comentários injustos, nós brasileiros passamos pela mesma coisa, mas hoje, temos o respeito da comunidade internacional”.



Com tudo pronto, agora era só esperar a Seleção Soviética. Mas os soviéticos recusaram. A Federação Soviética enviou um comunicado para a FIFA, que dizia que a Seleção Soviética não iria pro Chile, pois se o fizesse, estariam compactuando com um atentado contra a democracia e a liberdade dos povos, coisa que a FIFA estava fazendo. Ou seja, a seleção da URSS desistia da vaga na Copa do Mundo, e outras seleções ameaçaram fazer o mesmo, mas no final, ficou apenas nos soviéticos. Vale lembrar que a URSS vivia sob um governo autoritário, que em poucas coisas podemos dizer que era de fato socialista, mas vários foram os avanços do governo soviético, como a eliminação do desemprego e segurança para os trabalhadores, bons serviços públicos e políticas igualitárias, mas reiteramos, apesar disso tudo, era um governo ditatorial, mas eles estavam passando por reformas visando uma maior democratização, e o ato do governo, da Federação, e dos jogadores foi notável.



Nisso, a Seleção Chilena entrou no estádio monumental com um objetivo; fazer um gol, sem nenhum adversário em campo. O jogador que fez o gol, afirmou anos depois que foi simplesmente patético, o gol, os jornalistas que lá estavam, os militares que de maneira ufanista exaltaram os jogadores e denegriram os soviéticos. Mas os militares queriam um jogo, e como o Santos estava por lá, resolveram chamar os brasileiros para uma partida. Os jogadores chilenos estavam com um ânimo terrível, e procurando se poupar para a Copa, foram goleados pelo Santos; 5 x 0.



Na Copa, a seleção chilena teve um dos piores desempenhos de sua história, sem vencer sequer um jogo. Tais ditaduras tinham como principal objetivo sufocar as manifestações populares, e o futebol como tal, passou por isso. Os regimes militares sempre usaram as Copas para se promover, lembrando que em 70 Pelé disse que o povo brasileiro ainda não estava preparado para viver num regime democrático e que em 78 o governo militar argentino cometeu uma série de atos no mínimo suspeitos. Sobre o Chile, a ditadura de Pinochet durou até 90, sendo uma das mais cruéis já vistas, se destacando por perseguição à militantes, trabalhadores e comunidades indígenas, já que estas não se inseriam no que os militares entendiam por “chileno”. No âmbito dos clubes, Pinochet perseguiu a Universidad do Chile por ser o clube da universidade que tinha tradição de formar militantes, e o Palestino, por ser um polo cultural não-europeu, além de ter se elevado ao nível de presidente do Colo-Colo, sem o consentimento dos torcedores. Mas apesar disso tudo, os estádios sempre foram (e ainda são) um polo de resistência contra regimes anti-democráticos.

Aí vai um vídeo do "jogo" contra a Seleção Soviética; http://www.youtube.com/watch?v=3PhZY3-30LQ

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